Curadoria de Angela Rui
Quantas vezes já ouvimos dizer “Não tive tempo”?
Quantas vezes disse esta frase na semana passada? Ou quantas vezes já a ouviu? Se assumirmos que o tempo existe, dizer que não o temos significa que o tempo, no seu sentido qualitativo, não nos pertence.
De um ponto de vista filosófico, esta simples observação tem raízes profundas e representa um dos grandes paradoxos da vida contemporânea. A compressão e a compartimentação do tempo de acordo com as leis da eficiência, da produção e do turbo-capitalismo estão diretamente ligadas à condição de esgotamento planetário dos corpos, dos recursos e da Terra — todos desempacotados nas suas funções utilitárias.
No passado, o dia de trabalho de 8 horas foi concebido para regular o tempo de trabalho e o tempo de lazer e descanso, enquanto hoje, apesar da perda dessa separação, não perdemos a necessidade de quantificar o tempo. Para o filósofo Pascal Chabot, a cultura da quantidade (Chronos) atua como uma desqualificação da qualidade (Kairos). Em suma, o Tempo Moderno foi objetivado.
Ao objetivar o mundo através do tempo, as suas qualidades sensíveis foram excluídas. Além disso, todas as atividades que não produzem capital, ou seja, tudo o que diz respeito ao cuidado — com as pessoas, com outras espécies, com o ambiente, ou simplesmente com o mundo em que gostaríamos de viver — é percebido como uma atividade localizada fora desse tempo “valioso”, criando um sentimento de ansiedade e de não futurabilidade, deixando de lado o Kairos, esse tempo qualitativo ligado a um sentido de ocasionalidade e informado pelo surgimento de significado.
O TEMPO É PRESENTE. Inventar o Comum é o título escolhido para a 4.ª edição da Porto Design Biennale e convida a uma mudança na nossa perspetiva diária: em vez de abordar criticamente a ansiedade da temporalidade moderna, sugere que consideremos o potencial do tempo qualitativo. O presente não é visto como uma crise a superar, mas sim como um presente repleto de possibilidades coletivas à espera de serem ativadas. Esta perspetiva habita plenamente o agora, em vez de se projetar em futuros especulativos. No mundo acelerado atual, onde o tempo é cada vez mais mercantilizado, fragmentado e sujeito ao extrativismo, sugere a importância de recuperar o tempo como um recurso comum — um presente que pertence a todos, uma condição de pertença, um presente de presença.
Assim, nesta edição da Porto Design Biennale, a disciplina do design não se apresenta como uma prática orientada para o futuro ou para a resolução de problemas, mas sim como um envolvimento ativo, contínuo e pragmático com a materialidade do presente, onde a capacidade coletiva de moldar relações sistémicas se torna tanto meio como sujeito.
As sementes de tudo isto já estão à nossa volta e, particularmente nos últimos anos — como efeito social e económico da pandemia —, tem havido uma expansão do associativismo que pode ser interpretada como uma tentativa ascendente de encontrar alternativas válidas e partilhadas às crescentes desigualdades por grupos de pessoas com objetivos comuns, baseadas na solidariedade mútua e na autonomia.
O subtítulo Inventar o Comum amplia essa visão ao enquadrar o design como a construção coletiva do mundo. Aqui, “o comum” vai além dos recursos compartilhados para abranger uma dimensão fundamental da produção social que inclui elementos materiais, juntamente com a linguagem, o conhecimento, os afetos, as relações e, é claro, a confiança. Em Commonwealth, Michael Hardt e Antonio Negri ampliaram a compreensão do comum para incluir não apenas processos materiais, mas também imateriais, como interações sociais, que eles denominaram “o comum”. Os autores postulam que todas as práticas culturais, desde as artes até simples saudações diárias, códigos culturais, emoções ou afetos contribuem para a criação da riqueza comum. Esta perspetiva convida-nos a considerar as práticas culturais como parte de um ecossistema mais vasto de riqueza social partilhada, aprofundando a nossa apreciação dos bens comuns culturais como processos dinâmicos que moldam continuamente e são moldados pelos padrões das nossas interações.
Assumindo o tempo como um recurso partilhado e o design como uma prática política, a Biennale vai além da instituição e opera, em vez disso, como uma constituição — um processo vivo que produz ativamente novas relações sociais, formas de organização e modos de colaboração.
Estas são as intenções por trás dos Happisodes, com a Biennale a intervir na temporalidade típica destes eventos para favorecer o estabelecimento estruturado de projetos que possam ser consolidados como uma oferta real, permanente e coparticipada aos cidadãos, com particular atenção às novas gerações e às pessoas que prestam e recebem apoio em serviços relacionados com cuidados.
Assim, a partir da seleção de projetos locais de municípios e associações, cooperativas e círculos (como centros cívicos, lúdicos, educativos, inclusivos e de assistência) nas áreas do Porto e Matosinhos, e como consequência de um momento de conhecimento e escuta, a equipa curatorial da Biennale iniciou um processo de mediação para facilitar a formação de equipas de projeto transdisciplinares com designers internacionais e locais para a conceção e criação de lugares, atividades e processos capazes de dinamizar estas realidades, garantindo-lhes uma ação a longo prazo, graças à convicção de que o design está orientado para o bem-estar partilhado dos seres vivos em relação ao seu ambiente e vice-versa.
As intervenções de design que estruturam o espaço de forma diferente inevitavelmente reestruturam o tempo de forma diferente, e fazem isso desconstruindo uma lógica predominante que reduz os ambientes urbanos a locais de extração e consumo excessivo.
A Biennale apoia e reúne práticas de justiça espacial, facilitando ocasiões e locais onde o estar em comum pode florescer graças a encontros conviviais e positivos entre cidadãos, as suas organizações e as suas instituições.
Os Happisodes vão desde intervenções que procuram recuperar o espaço público para as crianças, desenvolvendo ações participativas para compreender as suas necessidades e desejos em projetos de parques infantis urbanos; até à incorporação de estratégias de design que melhoram as interações sensoriais entre pessoas afetadas por deficiências intelectuais e os seus cuidadores; desde a criação de oportunidades de convívio social e cuidados para comunidades vulneráveis, promovendo condições de escolha no âmbito de iniciativas solidárias, espontaneamente apoiadas por uma parte significativa da população portuguesa, até à ativação de espaços e práticas de gravação de som e música especificamente concebidos para as gerações mais novas, estimulando a criatividade, a partilha coletiva e a troca de conhecimentos.
Além disso, os Happisodes da Biennale serão tema de uma publicação com curadoria de Andreia Faria, reunindo uma coleção de contos, ensaios e ilustrações com potencial para resistência e alegria: por meio da narrativa, da fabulação e da ficção especulativa, as autoras reimaginam as dinâmicas sociais e estruturais das complexas teias de relações que compõem cada situação.
Em simultâneo, nos espaços da Casa do Design em Matosinhos e como representações culturais de uma atitude predominante no design que precisa de ser representada, a exposição O TEMPO É PRESENTE. Inventar o Comum toma forma como uma coleção de projetos nacionais e internacionais, parcialmente selecionados através de um concurso público, que intervêm a nível sistémico na dinâmica socioeconómica atual do contexto e da comunidade em que cooperam, sublinhando o crescendo de um movimento no design que provoca transformações qualitativas em diferentes escalas.
A abordagem da exposição posiciona o design não só como disciplina de criação de objetos, mas também como uma atividade constitutiva que dá agência às formas sistémicas imaginadas pelos designers para revitalizar a ligação entre os cidadãos e o ambiente partilhado como espaços vitais destinados a praticar alternativas dentro de realidades em mudança, as suas implicações e as suas necessidades à luz das atuais mudanças climáticas, políticas e sociais.
O que acontece quando o design passa de resolver problemas futuros para cultivar possibilidades presentes através da ação coletiva?
Reunindo mais de sessenta projetos, a exposição apresenta uma variedade de iniciativas de design e formatos inovadores, organizados de acordo com o factor comum mais participativo: as nossas emoções.
A exposição convida-nos a reconhecer que as práticas culturais emergentes cultivam capacidades quotidianas — tais como a atenção, o cuidado e a imaginação coletiva —, ao mesmo tempo que convida o público a experimentar diferentes temporalidades que reconhecem a nossa natureza constitutivamente relacional, agindo por amor e não por medo.
“Porque, embora o mundo esteja cheio de separações, lutas e escassez”, como nos lembra Escobar, “a nossa aposta é que não tem de ser assim”.
Vamos praticar o mundo em que desejamos viver.